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A Ética da Pintura
Por Moacir dos Anjos


As telas de Márcio Almeida trazem, entranhado entre várias camadas de tinta, riscos de lápis e alguma massa corrida, o itinerário físico e pensado que percorre, diante delas, para fazê-las suas. Observadas da distância necessária a que seus formatos se acomodem à vista, chama a atenção as ritmadas manchas de cores frias – feitas de gestos ligeiros e certos – e os desenhos e traços cujos sentidos só o olho decifra.  É quando vistas de perto, contudo, que melhor se percebe, em veladuras e sombras, os rastros da tinta ali posta e encoberta por mais tinta ainda: às vezes com espessura áspera, outras vezes diluídas e lisa. Se as pinceladas densas arranham a tela, as fluidas formam, de cima para baixo do plano, trilha escorrida de tinta. Em alguns poucos campos da tela, porém, áreas do suporte são deixadas rasas, apenas preparo para o que, por fim, ficou dali ausente. Entre ou sobre essas camadas de tinta, desliza a marca funda do lápis que o artista usa. Como traço, o grafite reforça, de um lado para outro dos quadros, a horizontalidade que a tinta que escorre atenua. Como palavras que só se lê quase junto à tela, convida a uma aproximação que, não fosse ela, não se faria. É  desse insistente encobrimento das matérias depositadas sobre o plano que se desvela, num certo momento, uma configuração de formas que satisfaz e detém o artista. Há outras paradas, contudo, antes deste final de percurso: para sobrepor, às aguadas que inundam a tela, a tinta espessa ou lápis seco que cobre ou risca, Márcio Almeida é forçado a controlar seu impulso de pintar ligeiro e a respeitar a temporalidade própria dos materiais a das técnicas que utiliza. Mais que imposição, a espera da secagem da tinta se torna, aqui, exercício ético nascido de sua própria pintura.​

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